segunda-feira, 12 de março de 2007

Registro Obsoleto

Por Luiz Fernando

De vez em quando, alguém aqui de casa toma coragem para retirar do armário e desempoeirar as antigas caixas de sapato que guardam nossas não menos antigas fotografias. Quando isso acontece, a família toda invariavelmente se mobiliza exultante para fruir daquele momento que mescla prazer e nostalgia. Como contrapartida, porém, há aquela dose de desconfiança dos que se dão conta de que o pó que tomou conta daquelas fotos é insignificante em relação àquele que se sobrepôs à sua memória. A proeza fascinante de que o registro fotográfico é capaz é exatamente reativar tal setor de nossa memória que já havia sido sutilmente preterido em favor da avalanche de informações com que lidamos - ou com que somos impelidos a lidar - no dia-a-dia.

Até os meus 5 anos e meio, eu fui um fotólatra, por assim dizer. As fotos datadas de 1984 a 1990 parecem ter todas a mim como pretexto. Depois do advento da minha irmã, fui rebaixado de
protagonista para coadjuvante resignado, forçando a barra em busca do prestígio subtraído. Mas, como o tempo é inexorável para todos, minha irmã cresceu e deixou de ser novidade, e eu fui criando consciência social, o que resultou no meu estágio atual de repulsa ao menor indício de flash.

Comportamento anti-social à parte, é impossível deixar de considerar as implicações da fotografia digital em nosso universo sensível. Há pouco mais de uma década, selecionávamos para registro apenas os momentos que realmente nos pareciam especiais. O preço nada módico dos filmes e revelações, além da impossibilidade de avaliar instantaneamente a qualidade da foto, eram os principais empecilhos à profusão das fotografias. Em contraste, hoje, um trivial dia letivo enseja um álbum completo - ainda que geralmente restrito a mídias digitais-, com direito a sumário descarte do clique imperfeito. Tudo ficou mais fácil, mais banal e mais artifical. Minha repulsa à vulgarização da fotografia supera facilmente minha aversão ao flash. O pedaço de papel que deveria servir de muleta para a atuação da nossa castigada memória cada vez mais deixa de retratar e provocar sentimentos, os mais belos e redentores, para representar uma composição de milhares de pixels, uma mera imagem. Sintoma dos tempos atuais? Não sei, mas entre uma simples imagem material e minhas emolduradas abstrações monocromáticas repletas que sentimentos aprazíveis, eu fico com a segunda opção.

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