sábado, 26 de janeiro de 2008

Auto-crítica

Por Luiz Augusto Manfré

Todos esses pensamentos e tentativas de auto-compreensão são muito confusos ainda. Talvez essa busca por entendimento próprio seja devido à necessidade de satisfazer à segundos. Talvez não esteja me esforçando pra me entender, talvez apenas esteja tentando me justificar, esteja buscando maneiras alternativas de satisfazer aos questionamentos dos outros. Mas por que, afinal de contas? Será que a necessidade de agradar aos outros é tão maior que a necessidade de auto-conhecimento? Por que será que as nossas vidas dependem tanto de relacionamentos com os outros? Preisamos tanto nos manter em um nível agradável aos outros, que, em certos momentos, usamos máscaras que não nos agradam e muitas vezes não nos servem, não encaixam em nossas faces e nem mesmo combinam com nossas personalidades, mas as usamos. É necessário, para formalizar nosso contrato de convivência com nossos "semelhantes". Nesse contrato, não devemos agir de acordo com nossa conveniência, mas sim de acordo com padrões pré-estabelecidos pela "lei" vigente no momento.
E, é dessa forma que mostramos à todos, como somos agradáveis, como somos dóceis, como somos gentis e como não somos sínceros e verdadeiros. Não me orgulho ao admitir que assinei o contrato e vivo de acordo com a necessidade e me adapto aos momentos. Não possuo uma face, mas várias. E, cada face me fornece, não apenas uma aparência diferente aos olhos e opiniões alheias, mas também me fornece olhos que enxergam de formas diferentes, vozes com tons e palavreados diferentes, e até mesmo uma consciência diferente que pressupõe necessidades e atitudes distintas, de acordo com a necessidade, não a minha, mas a dos demais sigantários do contrato. Parafraseando Freud em sua mais célebre "verdade", e a dita terceira maior ferida no orgulho da humanidade, "O eu não é senhor na própria casa", e assim vivem todos os declarados sãos, às vistas da sociedade e dos grande especialistas em pensamento. Não esprava chegar à essas conclusões quando comecei a escrever este pequeno ensaio, acredito que essas sejam minhas verdades, minhas noções à respeito das atitudes humanas.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Gramática, normas e charlatanismo

LFH

Não foi a pedido de meus fiéis e seletos 5 leitores que, depois de um longo período ausente, decidi voltar a postar algo aqui. Tenho andado extremamente desocupado. O ócio, como vocês devem saber, traz consigo um turbilhão de pensamentos, ainda que nem todos estes tenham relevância (vide www.faltadeopiniao.blogspot.com). Meu cérebro, a propósito, funciona melhor quando disponho de tempo livre suficiente para não fazer nada. Bom, vamos ao que interessa. Ou melhor, vamos ao que não interessa, já que é presunção demais achar que as seguintes linhas poderiam interessar a alguém.

(Caso você tenha se interessado, prepare seu saco porque este post será um pouquinho mais longo que o usual)

Hoje vou falar sobre um assunto ao qual tenho me dedicado como diletante desde os saudosos (ou nem tanto) tempos de ginásio: a língua portuguesa. A afinidade com a disciplina já me acompanhava, na verdade, desde os tempos pré-escolares. Por algum motivo, desde criança eu já deliciava com os mistérios de um texto, com aquele universo todo de palavras desconhecidas e também com os diferentes sentidos que uma palavra já conhecia poderia assumir. Percebe-se que minhas excentricidades não são tão recentes assim.

Mais tarde veio o contato com a temida gramática, matéria sempre bem cotada entre as mais odiadas pelos estudantes. A professora responsável era a minha preferida na época e hoje continua a figurar no Top 5 dos melhores mestres da minha vida. Acompanhava atentamente e também tentava, na medida do possível, colocar em prática seus ensinamentos, mas havia uma coisa que me deixava intrigado: será que o aprendizado formal de todas aquelas regras era imprescindível para a produção de um bom texto? Havia exemplos vivos que sustentavam minha desconfiança, já que alguns dos que derrapavam nas provas de gramática eram ótimos escritores;

Talvez por falta de opção, a gramática foi minha única parceira nos estudos de português por mais alguns anos. Confesso que cheguei, em algum momento, a tachar de analfabeto aquele incapaz de conjugar o plural e a menosprezar alguém que emitisse uma construção como "estou meia confusa". Hoje sei plenamente que era apenas uma vítima das noções equivocadas de língua difundidas pela escola e, principalmente, pelos meios de comunicação. Devo isso a meu ímpeto curioso, que me levou a buscar informações mais lógicas, seguras e consistentes a respeito do assunto.

Antes de começar a combater tais noções equivocadas a que me referi, devo dizer que não tenho o costume de me manifestar sobre temas com os quais não tenho alguma intimidade. Charlatanismo e obscurantismo são duas coisas que me causam repulsa. Assim sendo, grande parte das idéias que exporei não representam minha mera opinião subjetiva a respeito do tema. Elas encontram respaldo nos argumentos de pesquisadores bastante respeitados no meio acadêmico. Caso queira discordar de mim, esteja ciente de que estará automaticamente discordando do pensamento científico vigente.

Para fins de introdução (sem malícia), seria interessante fazer algumas considerações a respeito da gramática normativa, aquela que é objeto de estudo na escola (vou chamá-la simplesmente de gramática – já somos íntimos). O que é a gramática? Muitos acreditam que a gramática é o livro que, amparado em noções de certo e errado, dá as coordenadas àqueles que pretendem fazer um bom uso do idioma. É nessa visão distorcida que se encontra a cerne de todas as concepções preconceituosas sobre a língua.

Como qualquer pessoa atenta sabe, cada um das múltiplas situações de comunicação pede uma linguagem particular. O meio científico, por exemplo, exige uma linguagem clara, direta e sem firulas. O marketing, por sua vez, é marcado por uma linguagem instrumental, tão pragmática quanto a postura adotada pelos marqueteiros que a empregam. Em compensação, uma revista voltada aos surfistas abusará de um vocabulário despojado, maleável e repleto de gírias. Portanto, a língua de cada meio social é regida por certas regras tácitas.

E quanto a gramática? Bem, o que a gramática faz é recensear as diversas variedades de uma língua e realizar um juízo de valor sobre as informações encontradas. São nesses juízos que se apóiam as regras estabelecidas por ela. A gramática condena, por exemplo, a marcação de um único plural numa frase como "As pessoa foi" não por uma razão lógico-linguística, mas sim por motivos meramente estéticos. O parâmetro tomado para definir o que é certo e o que é errado (ou o que é bonito e o que é feio) são as normas adotadas por aqueles tidos como os usuários exemplares da língua. São, como já se poderia esperar, os membros das classes sociais mais elevadas e, sobretudo, os literatos de boa reputação. Uma frase usada por um grande escritor pode, aliás, abonar uma construção alheia aos padrões de excelência gramatical. Logo, se Machado de Assis ressuscitasse e escrevesse "A maioria foram...", é bem provável que construção seria imediatamente saudada como uma figura de linguagem genial. Já você, mero mortal, pense duas vezes antes de fazer coisa parecida.

Apesar de sua orientação notoriamente elitista e conservadora, a importância da gramática – uma tradição que remonta à Grécia antiga – não deve ser negada. Nascida como o primeiro documento voltado a descrever uma língua e já perfeitamente consolidada na cultura ocidental, a gramática veicula o que se chama de norma padrão da língua. É a norma em que são – e foram - escritos os documentos oficiais, grande parte dos livros e tantos outros textos produzidos em meios formais, e à qual todos os alunos devem ter o acesso assegurado. Pode-se dizer, portanto, que a norma padrão se constrói acima de todas as outras variedades de um sistema lingüístico.

Reconhecer o valor cultural legado pela gramática não impede, entretanto, que apontemos certos desvios metodológicos e ideológicos presentes nela. Poderia desdobrar-me em questões mais específicas, mas vou ater-me ao que julgo mais relevante. Sendo um instrumento guardião de uma tradição, a gramática demora a absorver as mudanças de rumo numa língua. Em razão disso, há uma disparidade muito grande entre a norma culta e a norma padrão. Aqui vale uma dasambiguação: a norma padrão mira, como já disse, uma língua idealizada, tendo como referência os bons usuários da língua; já a norma culta é aquela corrente entre usuários cultos, grupo que compreende os cidadãos que possuem o terceiro grau completo. Como efeito, continuam a ser desabonadas construções já assimilados pelo padrão culto, tais como “assistiu o filme” e “obedeceu o pai”.

Depois de tanta embromação teórica, vou agora atacar de fato algumas das idéias senso comum que resultaram do louvor excessivo à cultura do certo e errado na língua. São noções que tomaram conta da mídia, das conversas de bar, das comunidades orkutianas e até das discussões entre universitários (não-especializados, diga-se de passagem). Em comum, todas elas revelam preconceito e uma imperdoável falha de análise. Ei-las:

1) Pleonasmo: um pleonasmo nada mais é do que a redundância no âmbito das palavras. É um fenômeno considerado deselegante, impróprio e que motiva muitas piadinhas por parte dos sabichões. “Entra pra dentro, moleque!” causaria arrepios em muita gente por aí. O que é ignorado neste caso é que, apesar da insistência na mesma idéia, há uma dimensão pragmática na frase. Um simples “Entra!” soaria bem menos incisivo e ameaçador. A mãe irritada com o filho sabe inconscientemente disso. Os analistas espertalhões, não. Eles também parecem não se dar conta de que a concordância de número no português é redundantemente redundante (tá, esse jogo de palavras foi péssimo). “As meninas bonitas foram fazer compras” tem quatro marcações de plural. Então, se você abomina redundâncias, marque o plural apenas uma vez: “As menina bonita foi fazer compras”.

2) Gerundismo: o famigerado gerundismo também me irrita, mas isso nada tem a ver com o fato de ele ser uma construção gramatical ou não. Muitos (não-especialistas, em geral) dizem que a moda surgiu de uma tradução inadequada para uma estrutura típica do inglês (“I will be sending” etc.). Improvável. A verdade é que o português brasileiro sempre foi benevolente com as construções no gerúndio, inclusive quando estas não expressam idéias de continuidade ou simultaneidade. Por um lado, o gerundismo me incomoda por predominar em esferas de comunicação burocratizadas e impessoais (no mundo dos negócios, sobretudo), onde o falante está mais preocupado em forjar uma erudição inexistente do que se comprometer com a informação dada. Eu, particularmente, nunca presenciei o tal do gerundismo numa conversa de bar. Por outro, devo ser indulgente, uma vez que tenho percebido que indivíduos das camadas populares recorrem à formula por considerá-la mais elegante, receosos em revelarem, por meio da fala, sua origem social.

3) Conjugações verbais inadequadas: é provável que você já tenha ouvido alguém dizer: “Isso vareia”. Erro grosseiro, não? Agora, como exercício, conjugue rapidamente na terceira pessoa do singular do indicativo os verbos “remediar” e “intermediar”. Remedia e intermedia, correto? Errado. Ocorre que os verbos terminados em –iar não seguem um paradigma fixo. “Variar” se conjuga (na ótica da norma padrão) de forma regular. “Remediar” e “intermediar” se conjugam como o verbo “odiar”. Portanto, “ele intermedeia” e “ele remedeia”. Esses simples exemplos demonstram como estamos sujeitos ao mesmo tipo de erro cometido por aqueles que julgamos ignorantes.

4) Estrangeirismos: foi aprovado recentemente pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados um projeto de lei que busca “promover, defender e proteger a língua portuguesa”. O projeto determina que os meios de comunicação, os estabelecimentos comerciais e a publicidade substituam os termos estrangeiros por equivalentes em português. Num misto de ignorância com ingenuidade, o autor do projeto, o deputado Aldo Rebelo, acredita que o excesso de palavras em inglês que se infiltram no português do Brasil podem dificultar a comunicação e induzir a população ao erro. Ora, uma pessoa é plenamente capaz de entender os termos específicos relacionados a um assunto com o qual ela tenha alguma intimidade, sejam esses importados ou não. Um indivíduo que acompanha regularmente a F-1 sabe, independentemente de dominar o inglês, o que é cockpit, grid, guardrail, pneu slick, entre outros jargões do esporte. Todavia, é provável que a mesma pessoa não entenda os termos vernáculos de um simples contrato de aluguel ou, como convém citar, de um projeto de lei.

Ao defender a permuta da expressão ou palavra em inglês por uma em português, o deputado incorre em outro erro. Como já disse, as palavras, além do significado que encerram, também possuem uma dimensão pragmática. Logo, um termo estrangeiro carrega consigo sentimentos subjetivos associados aos falantes da língua que origina o empréstimo. Deste modo, uma palavra inglês carrega valores como modernidade, avanço tecnológico e justiça, mas também outros como arrogância e imperialismo. Da mesma forma, um termo francês pode conotar requinte, elegância e, por outro lado, pedantismo. Os publicitários sabem muito bem desse apelo das palavras estrangeiras. Não por acaso, revistas destinadas ao público jovem costumam ser batizadas com nomes em inglês (modernidade), enquanto uma famosa revista dedicada às mulheres traz um nome francês (elegância).

Rebelo ignora que usamos a linguagem o tempo todo para demarcar nosso círculo de interlocução. Portanto, quando uma loja de departamento estampa SALE em suas vitrines, pode ter certeza de que não lhe interessa como cliente a pessoa que desconhece aquele termo em inglês. Tenha mais certeza ainda de que um legislador redige em uma linguagem excessivamente rebuscada exatamente para não ser entendido pela maioria da população.

5)O significado de uma expressão é igual à soma do significado de suas palavras: “Os locutores vivem inventando umas expressões bobas, como ‘correr atrás do prejuízo’, usada para o time que precisa virar uma partida. Quem é o maluco que "corre atrás do prejuízo"? As pessoas correm atrás é do lucro.” A declaração é do multimidiático professor Pasquale Cipro Neto, em entrevista à revista Veja. Tido por muitos (leigos, obviamente) como a maior autoridade brasileira em língua portuguesa, Pasquale nem mesmo chegou a completar o curso de Letras. Se o fizesse, talvez teria a percepção ampliada a ponto de notar que o sentido de uma expressão idiomática não é dado pela conjunção dos sentidos literais das palavras que a compõem. Condenar o uso de tais expressões é cercear a criatividade dos falantes e colocar rédeas no dinamismo inerente a uma língua. Professor Pasquale, com todo o respeito, vá pentear macacos!

6)A língua deve subordinar-se à lógica matemática: não estava presente, mas fui rapidamente informado da pérola. Numa dessas aulas da Engenharia, o professor relembrava um famoso slogan usado pelo governo Lula: “Sou brasileiro e não desisto nunca”. Um aluno, com muita sagacidade, imediatamente interveio. Argumentou que a frase deveria ser refeita, pois há nela uma dupla negação que a afasta do sentido pretendido. Assim, “não desisto nunca” equivale a “desisto sempre”. Talvez o rapaz sofra de um inédito quadro de afasia. Engenheiro por vocação, acostumou-se tanto a lançar mão de seu raciocínio lógico-matemático que passou a aplicá-lo em âmbitos que não suportam tal tipo de análise. Uma língua, assim como a matemática, é um modo de representação do mundo real. Um cachorro pode ser representado por meio do código CACHORRO, tal qual um par de tênis pode ser representado matematicamente como 1+1. Supor que uma língua deva submeter-se à lógica matemática é tão estúpido quanto pensar que a matemática deva orientar-se pela lógica de uma língua.

7) Supostas impropriedades lexicais: já ouvi, não me lembro exatamente onde, alguém dizer que um médico não pode tirar a pressão de um paciente, caso contrário este morrerá. Como piada infame, o comentário até passa. O problema se configura quando as pessoas passam a acreditar que realmente é um erro dizer “tirar a pressão”.

O povo tem o poder de modificar uma língua conforme seus desígnios. Neste processo, uma palavra pode agregar transformações e ampliações ao seu sentido, conferindo mais possibilidades para os falantes expressarem uma mesma idéia. Tais transformações ocorrem de forma natural e freqüentemente se incorporam ao nosso vocabulário sem que percebamos. O mesmo cara que torce o nariz para o “tirar a pressão” provavelmente diz sem problemas que “fez a barba” e que “seu carro morreu”.

Todos nós temos determinadas preferências estéticas: uns preferem as loiras, outros as morenas; há quem goste de cerveja, da mesma forma como há quem deteste. Naturalmente, essa preferência também se estende aos usos lingüísticos. Eu, por exemplo, nutro certa antipatia pela a construção “devido a”. Nos meus textos, prefiro formas equivalentes como “em virtude de“, “por causa de” ou “em razão de”. Manifestar preferências é válido. Querer impô-las como verdade universal é fetiche autoritário.

8)Assim se fala porque assim se escreve: um inesperado visitante grego estranhou a forma como pronunciávamos o nome de nosso próprio país. Do alto de sua sapiência, argumentou que havíamos transformado o fonema /l/ em /u/, o que nos levava a erroneamente dizer “Brasiu” em vez de “Brasill”.

O pensamento antiquado não é, entretanto, exclusividade de nosso amigo estrangeiro. Fui vítima de piadas ao declarar, em uma viagem, meu insistente desejo por um porção de “pulenta” frita. De início, achei que fosse apenas uma implicância com o meu sotaque interiorano. Não era. À chacota seguiram-se explicações – tiradas não se sabe de onde - sobre como se deveria pronunciar corretamente o som das vogais, além de outras patacoadas de mesma natureza.

O equívoco, no caso, se dá pela confusão que se faz entre língua e ortografia. A língua é um fenômeno vivo que varia no tempo, no espaço geográfico, nas classes sociais e nas diferentes instâncias de comunicação. A ortografia é apenas uma representação gráfica para a língua falada, uma convenção para fins de unificação da escrita. Acreditar que a língua falava deva submeter-se à escrita é uma deturpação tremenda, típica de quem dá as costas para a ordem e a lógica dos acontecimentos.


Num mundo em que os livros de auto-ajuda ocupam as primeiras posições entre os mais vendidos, não é difícil entender por que a doutrina do certo e errado continua a reinar sem concorrentes quando se trata de língua. Neste e em diversos outros âmbitos do conhecimento, a doutrinação normativa está rapidamente sobrepujando o conhecimento verdadeiro, fruto da reflexão comprometida e do cotejo da informação adquirida com a dinâmica dos fatos do mundo real. Este, ao contrário daquele, exige um tempo de maturação até ser perfeitamente assimilado.

Um rápido passeio pela seção dos best sellers numa livraria pode confirmar como a normatividade nefasta se espraiou para os mais variados terrenos. Dúvidas de português? Consulte o Pasquale. Quer a receita para chegar à riqueza? Leia (ou assista) “O Segredo”. Não sabe o que vestir e como se portar naquela festa de casamento vindoura? A Glória Kalil pode lhe dar bons conselhos. Quer ser líder e, consequentemente, enriquecer? "O Monge e o Executivo" é a pedida certa para você. Afinal, para que pensar por nós mesmos se há quem desempenhe tal tarefa a um preço baixo?

Todos estes distribuidores de pílulas instantâneas do saber têm algo em comum: aproveitam-se da baixa auto-estima de seus alvos para lhes vender a idéia de que possuem deficiências que precisam ser rapidamente corrigidas. O leitor (ou telespectador), convencido de suas supostas debilidades, está então apto para receber as informações que mudarão sua vida. No final do processo, as duas partes ficam satisfeitas. O remediado, vislumbrando poder e liberdade, deixa-se seduzir, mas, sem perceber, passa a depender cada dia mais de suas pílulas; o remediador não só é agraciado com uma vultosa conta bancária como também opera a manutenção das relações de poder e hierarquia vigentes na sociedade. Assim, na surdina, consolida-se o golpe de mestre.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A Casa

Dezembro/2000

Fábio andava pela rua. Olhava os sulcos da calçada e as nuvens no céu. Não se decidia para onde olhar. Mas naquele momento algo lhe chamou a atenção. Era verde, não azul, ou seria amarelo? Tinha dois, não três olhos grandes e brilhante, ou seriam pequenos e opacos. Tudo muito confuso, mas de uma coisa ele tinha certeza, estavam o olhando, o perseguindo, o chamando da janela daquela casa que nunca ninguém ousou entrar. Da casa da rua das Flores, número 157.
Mesmo após dormir Fábio não conseguia parar de pensar naquela estranha visão da tarde, os olhos o chamavam, o chamavam, o chamavam, continuavam chamando. Ele podia sentir, estavam o chamando agora. Nunca, em seus longos 17 anos de vida tinha sentido algo tão forte. Ele precisava levantar de sua cama e ir atrás daqueles olhos.Levantou. Saiu de casa deixando a porta aberta, para ninguém acordar com o barulho da chave trancando, sabia como sua mãe tinha o sono leve.
A casa que ninguém nunca havia ousado entrar ficava a três quadaras da sua. Eram meia-noite não duas.. ou seriam três da manhã? Não importava, Fábio corria em direçao à sombria casa.
Enquanto corria vinham à sua mente imagem dos olhos que o chamavam. Chegavam imagens da sua infância, que também eram sobrepostas. Tudo isso era muito estranho mas Fábio não se preocupou em desvendar seus pensamentos, apenas em chegar à casa.
Chegou. Ele a olhava, ofegante, e feliz, ou estaria triste?
A porta estava aberta mesmo a casa estando abandonada há anos. Mas a porta estava aberta. Fábio olhou para dentro. Parou, pensou, e passou do pequeno portão cinza e antigo. Atravessou o pequeno quintal, com três passadas, ou teriam sido mil, não sabia mais.
Chegou à porta. Olhou para dentro e viu uma pequena escada. Aqueles olhos estavam o chamando lá de cima. Ac asa teria quantos andares. Não se lembrava mais. Tomado de dúvida, alegria, desespero e uma irracional vontade, Fábio foi em direção à escada.
Um estrondo! A porta então se fechou. A rua estava deserta ninguém viu ou percebeu o que aconteceu.
Fábio não compareceu à sua formatura. Depois daquele dia nimguém nunca mais o viu.