domingo, 7 de fevereiro de 2010

Imaginação

Por Rodrigo Urban
Estou sentado em uma praça no centro. Cidade arborizada. Um velhinho me observa enquanto descansa no banco com seu pesado fardo. Comida, leite e preocupação para casa. Com dificuldade ele levanta e sobe a avenida.
Um rapaz um tanto estranho se aproxima com uma mochila. A calça de tactel presa na meia e ao sapato preto de cadarço camurça, além da surrada camiseta verde dois números maiores que o dele, deixam seu aspecto confuso. Uma cara de poucos amigos e olhar vago denunciam seu estado de loucura. Comendo o pão com mortadela que retirou da sua mochila ele continua a me observar.
Ao chegar ao centro perguntei em uma padaria sobre um banheiro. Indicaram-me uma praça próxima, na margem oposta da rua que observo agora. Uma escadaria acinzentada, longa e alta, com gramíneas e árvores esparsas em volta. Ao subir a escada me deparo com a estrutura daqueles pequenos parques de diversão comuns ao interior paulista. Os carrinhos de bate-bate se destacam pelo colorido característico.
Ainda na praça travestida de parque de diversões olho para o lado esquerdo e observo uma pequena estrutura de concreto com um portão férreo enferrujado. Uma pequena inscrição "ELE" denuncia a utilidade do local. Entro e posso observar uma longa escadaria que faz uma suave curva à direita. Carrinhos de pedreiro, pás e sujeira marcam o muro limítrofe do local. À direita existe uma porta de madeira. O odor acre não deixa eu me enganar, estou indo para um banheiro.
O banheiro era estranho. Comum à primeira vista, apresentava várias poças com fluidos não identificáveis no chão, uma longa pia recoberta de azulejos com uma torneira apenas e problemas no encanamento. Um banheiro público brasileiro. Existia também alguns exemplares do objeto denominado "mictório" com água escorrendo constantemente de pequenos orifício localizados na porcelana. Particularmente acho os "mictórios" nojentos. Passei em frente às cabines e não encontrei vasos sanitários. Teriam depredado o lugar?
Com um pouco de coragem e evitando ao máximo possível pisar nas poças entrei em uma das cabines. Em meio às paredes pichadas e pedaços de jornal jogados no chão percebi porque não vira vaso sanitário. Eles não existiam. O local construído para satisfazer as necessidades humanas de eliminação de impurezas consistia em um buraco no chão envolto com uma peça cerâmica desnivelada e inclinada em sua direção e um cano que insistia em gotejar águia no mesmo. Também havia uma estrutura emborrachada para posicionar os pés. Tudo no nível do chão. Era um banheiro estranho.
Agora, saciada sua fome, o cara de louco se levantou e foi embora. Ao menos poderia ter se despedido.
Vou ler Edgar Allan Poe neste momento para balancear o tempo aberto, claro e feliz com um pouco de sonhos, sombras e escuridão. A vida sempre necessita de opostos.

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